A Terceirização da Democracia e a Privatização das Eleições no Brasil – Parte II

A literatura internacional é rica em exemplos espetaculares de falhas e riscos nos processos de terceirização de Tecnologias de Informação (TI) no setor público. No Brasil existe uma abundancia tanto na aquisição quanto na terceirização de TI, porém pouco se conhece os fatores de riscos inerentes às práticas de terceirização. Para se ter uma idéia do crescimento do investimento em TI no país, basta dizer que o Brasil é o segundo maior investidor entre os países do chamado BRIC (Brasil, Rússia, India e China), ficando atrás apenas da China.

No caso do setor público, os fatores de riscos oriundos da terceirização afetam a sociedade como um todo, sobretudo os funcionários públicos que começam a sofrer com os salários corroídos, enquanto perspectivas vantajosas são comemoradas, principalmente por corporações internacionais. Por conta destes riscos, o governo tem a obrigação de responder questões tais como: Quais são os principais fatores de riscos expressos nos contratos de terceirização? Quais as principais corporações internacionais envolvidas com a terceirização de TI no Brasil? Num mercado quase monopolista, quando existem poucos fornecedores, torna-se necessário conhecer se a aquisição ou terceirização destas tecnologias estão se dando por conta de uma necessidade da sociedade ou por interesses das grandes corporações.

Considerando que o governo é o maior coletor de informação dos cidadãos, a relação entre terceirização e privacidade vem merecendo muitas preocupações. Qual a garantia que os cidadãos tem de sua privacidade, quando empresas privadas, sobretudo de outros países, podem ter acesso aos nossos dados? Até que ponto a legislação internacional dos países de origem das corporações com contratos com o governo brasileiro afetam a nossa privacidade.

A legislação internacional anti-terrorista dos Estados Unidos, por exemplo, cria as condições legais que expande o poder das agencias de inteligência policial, a exemplo do chamado FBI, para obter informações de cidadãos de qualquer pais. Isto pode acontecer mediante contratos de vendas ou de terceirização de TI, ou seja, quando empresas americanas prestam serviços aos governos de outros países. Portanto, nossas informações podem ser repassadas para o FBI, por exemplo, sem que nem o governo nem os cidadãos estejam sabendo do que está acontecendo.

Estudos recentes realizados no Canadá mostraram a preocupação de cidadãos canadenses com os contratos de terceirização do governo com empresas canadenses, vinculadas à corporações americanas. Por conta disto, o Sindicato dos Servidores Publicos de uma Província canadense questionou o Ministro da Saúde, que tinha um contrato de terceirização de determinadas funções na área de saúde com uma empresa Canadense, vinculada a outra empresa americana. Isto significava que as autoridades americanas poderiam ter acesso às informações de cidadãos canadenses, mesmo sem a autorização deles, e serem até investigados pelo FBI. Para evitar isto, houve uma mudança da legislação no sentido de proteger os cidadãos.

Uma vez que no Brasil a empresa fabricante de urnas eletrônicas é a multinacional Diebold, é provável que estejamos submetidos à lei anti-terrorista americana, ou seja, ao chamado Patriot Act, que amplia o poder policial americano para ter acesso às informações de qualquer cidadão brasileiro e julgá-lo na forma desta lei. Assim sendo, a invasão da privacidade neste país está escancarada, já que o projeto de voto eletrônico demonstra ser direcionado por possibilidades tecnológicas e conveniencias burocráticas, ao invés de ser um projeto democraticamente debatido e de utilidade social.

Para gerar mais preocupações, as próximas eleições serão realizadas através de urnas biométricas, quando será criado um dos maiores banco de dados do mundo, com informações valiosas de todos os eleitores brasileiros. Não há dúvidas de que muitos estão interessados neste banco de dados, uma vez que poderão acessar nossas informações sem que sequer tenhamos conhecimento disto. Países pobres da Africa e o Haiti já se submeteram às urnas biométricas. Na próxima eleição será a nossa vez, segundo a Justiça Eleitoral. Por que isto não acontece nos países ricos, sobretudo nos países da Europa? Por sermos cidadãos de países pobres ou em desenvolvimento temos que ser vigiados ou vistos como supostos terroristas? A quem interessa o nosso corpo digitalizado, através de testes biométricos?

Em que pese todas as denúncias e críticas sobre as falhas e vulnerabilidades das urnas eletrônicas por renomados cientistas brasileiros e internacionais, conforme estão relatados nos seguintes sites (http://www.votoseguro.org/; http://www.fraudeurnaseletronicas.com.br/) e as evidencias de que o nosso sistema de contagem de votos não é transparente e está sob o controle do mercado, ferindo o mais sagrado princípio de uma democracia, o voto eletrônico no Brasil é comemorado como sendo uma grande, embora falsa, realização nacional. O pior de tudo isto é que neste mercado temos de ser submetidos aos interesses de um único vendedor.

O que nos impressiona é o silencio de várias instituições que defendem a transparência e a ética na política e nas eleições, deixando a sociedade totalmente desinformada sobre os riscos do processo de terceirização e privatização das eleições.

O parlamento brasileiro terá que tomar uma posição durante a reforma política, evitando que a sociedade brasileira seja submetida a testes biométricos nas próximas eleições, já que não parece haver uma justificativa para isto. Enquanto não for criado um órgão independente de segurança da informação, com o propósito de proteger a nossa privacidade, a aplicação da biometria para identificação deve ser proibida. Não há dúvidas sobre os grandes interesses comerciais para a realização de eleições biométricas neste país. Portanto, muitos dos processos de terceirização no governo devem ser revistos, incluindo o que abrange as eleições.

Ademais, o parlamento brasileiro deve provocar uma mudança profunda em termos da administração das eleições neste país. Tanto o Governo quanto os partidos políticos e a sociedade como um todo devem participar desta discussão. Este será o tema do nosso próximo texto – administração das eleições no Brasil.

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