Brasil e Alemanha: lei internacional e direitos humanos para a espionagem sem limites
As denúncias de
espionagem de Edward Snowden levaram o mundo a conhecer o poder dos
Estados Unidos sobre a Internet e seus usuários. Em foruns da área,
o Brazil tem defendido um novo modelo de governança da Internet,
contrariando a dominação e interesses dos Estados Unidos e de suas
principais corporações. Por que os Estados Unidos tem este poder de
impor regras e espionar seus cidadãos e cidadãos estrangeiros?
As raízes da Internet
surgiram do esforço da elite de cientistas acadêmicos das
principais universidades americanas (MIT, Berkeley, Stanford e USC),
da área de computação, com o apoio de instituições como a NASA,
Pentagon e outras agências governamentais americanas. Comenta-se que
até o início de 1998, estes pioneiros não só direcionavam o
desenvolvimento científico e tecnológico como as políticas da
Internet. Em resumo, até este período, o controle da Internet
estava praticamente nas mãos destes acadêmicos pioneiros, que
tinham uma visão humanista, pragmática e até certo ponto neutra e
aberta, a exemplo de Jonathan Postel, cuja visão era de que as
regras da Internet fossem definidas fora da esfera governamental. Até
então a Internet era praticamente uma rede de pesquisa obscura.
Em janeiro de 1998, a
Internet e sua governaça caiu nas mãos do governo americano,
momento em que Postel tentou, sem sucesso, que a mesma ficasse sob a
governança do International Telecommunication Union (ITU). Assim
sendo, o governo americano decidiu delegar a autoridade dada às
universidades para uma Associação da California, denominada de
ICANN (The Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), três
semanas depois da morte de Postel, em outubro de 1998. Desde a sua
criação que a ICANN é vista como uma organização cheia de
controvérsias, caracterizada por abusos, falta de transparência e
representação, além de outros interesses conflitantes. Em resumo,
ICANN não parece ser uma instituição neutra para a governança da
Internet.
Durante uma conferência
mundial realizada em dezembro de 2012, em Dubai, denominada de WCIT
(The World Confernece on International Telecommunications) uma agenda
de governança da Internet foi incluída no final da conferencia, a
qual serviu para dividir os participantes, incluindo os Estados
Unidos que alegaram não apoiar nenhum tratado que viesse incluir
qualquer questão relacionada com a governaça da Internet. Pela
proposta brasileira, necessitamos de um modelo de governança de
Internet formado por múltiplos stakeholders e apoiado por uma lei
international consistente, de modo que não sejamos tão dependentes
dos Estados Unidos e suas corporações.
Diante deste cenário e
dos debates sobre globalização e a consequente desagregação da
ordem legal internacional, o Brasil e a Alemanha, que foram vítimas
de fortes esquemas de espionagem norte-americanas, submeteram à
Comissão de Direitos Humanos da ONU uma proposta de resoluçao sobre
o direito à privacidade na Internet. Segundo juristas europeus, a
proposta dos dois países não parece prosperar para a criação de
uma nova lei internacional. Ademais, a área de Direito enfrenta
sérios desafios diante da desintegração da governança
internacional, com suposições teóricas contraditórias,
relacionadas com a ordem legal internacional. Neste caso, temas como
fragmentação e constitucionalismo afetam a idéia de uma justiça
global, direitos humanos e soberania.
Soma-se a isto, a
análise das práticas do Brazil e Alemanha, em termos de espionagem
e invasão de privacidade, além dos acordos e tratados
internacionais. Na Alemanha, por exemplo, o professor de história,
Joseph Forschepoth, identificou vários tratados (alguns deles
secretos) entre Alemanha e Estados Unidos. Pelo que se comenta,
alguns destes tratados permitem a espionagem americana em solo
alemão. Além disto, tanto a ABIN, no Brasil, como o
Bundesnachrichtendienst,
na Alemanha, desenvolvem atividades de inteligência ou espionagem.
Assim sindo, parece que o velho ditado se aplica: voce espiona, eu
espiono, nós espionamos! Portanto, segundo alguns juristas europeus,
não é ilegal espionar pela lei internacional, embora seja um ato
não muito amigável entre “amigos”.
Com relação à
violação dos direitos humanos, juristas europeus afirmam que na lei
internacional os direitos são garantidos pelo Artigo 12 da
Declaração de Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas, em
10 de dezembro de 1948. Também apontam o artigo 17 do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a saber:
1.
Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais
em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua
correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2.
Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas
ingerências ou ofensas.
Vale
lembrar, ainda, os comentários do artigo acima citado nos seguintes
termos: “A coleta e manutenção de
informações pessoais em computadores, bases de dados e outros
dispositivos, quer por parte de autoridades públicas, indivíduos ou
organismos privados, têm de ser reguladas nos termos da lei. Os
estados têm de adotar medidas eficazes para assegurar que a
informação que diz respeito à vida privada de um indivíduo não
chegue às mãos de pessoas que não estejam autorizadas nos termos
da lei, a receber, processar e utilizar essa mesma informação, e
que nunca seja utilizada para fins incompatíveis com o Pacto acima
citado”.
Ora,
no campo da tecnologia da informação, o Brasil é um dos primeiros
países do mundo a violentar o artigo 17 do Pacto acima citado. Nós,
brasileiros, somos forçados a votar eletronicamente e, no momento,
estamos nos submetendo, contra a nossa vontade, ao cadastramento
biométrico. Isto é uma violência contra o ser humano e o Brasil é
um dos únicos países do mundo a submeter seus cidadãos a testes
biométricos, de forma não justificada. Só os interesses das
empresas de tecnologia de informação justificam o seu uso. Pode o
Brasil invocar o Pacto e, ao mesmo tempo, submeter seus cidadãos a
atos violentos, contrariando o Pacto? Se a lei internacional e os
direitos humanos são desrespeitados no Brasil, o que dizer se a sua
proposta de resolução, mesmo sendo aprovada pela ONU, for ignorada
pelos Estados Unidos? Pelo que se vê, as leis internacionais parecem
não resolver o problema de espionagem e direitos humanos.
Portanto,
a proposta dos dois países não parece prosperar muito, invocando a
lei internacional e os direitos humanos. Os dois tem alguns pecados
que não são facilmente perdoados. Não há dúvidas de que, após o
apoio da Alemanha à proposta brasileira, as colocações da
Presidente Dilma Rouseff, desde a recente Conferência da ONU,
começaram a fazer um estrago mundial em proporções imprevisíveis.
Deve-se aproveitar o momento para provocar mudanças na governança
da Internet, sobretudo enfatizando questões econômicas e
financeiras, que podem afetar os Estados Unidos. Este é o assunto de
nosso próximo texto, já que em termos de questões legais parece
que eles já são vitoriosos.
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