Caixa Preta das Eleições e os Riscos de Credibilidade
Nossos congressistas parecem ter entendido que
o voto impresso, apesar de ser um instrumento de se auditar e verificar o voto
do eleitor, é quase inútil para a segurança das eleições. O importante mesmo é
descobrir a caixa pretas das eleições e o voto impresso pouco ajuda nesta
tarefa. Independente de tecnologia, nenhuma eleição é completamente segura.
Ataques às urnas, vandalismos e intimidação sempre fizeram parte de nossas
eleições, levando alguns à prisão. A ameaça real às eleições vem quando votos
são alterados sem que sejam detectados.
Além de não trazer transparência e segurança, o
voto impresso aumenta os custos e complexidade das eleições. As impressoras
agregadas às urnas acarretam elevados custos de aquisição e manutenção,
incluindo papel e tinta. Com as falhas de impressoras e outros inconvenientes,
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sabe que o voto impresso tira o prestígio e
poder da instituição, que não mais poderá oferecer o resultado das eleições em
poucas horas. Assim sendo, a eficiência do voto eletrônico deixa de existir e o
resultado das eleições poderá levar dias ou até meses para ser proclamado,
diante de inúmeras ações judiciais que poderão surgir com o voto impresso. Os
dotados de más intenções farão um bom proveito.
Uma lição que devemos aprender vem dos Estados
Unidos, quando se observa os resultados das últimas eleições. Mesmo com o voto
impresso de urnas eletrônicas em alguns Estados, não foi suficiente para
melhorar a credibilidade dos resultados. Pesquisa realizada logo após as
eleições mostra que mais de 30% (trinta por cento) dos eleitores americanos não
sentiram a confiança de que as eleições foram razoáveis e livres.
Eleições devem ser construída e conduzidas de
modo que todos (candidatos ganhadores e perdedores), bem como os apoiadores
possam ter uma elevada confiança de que os resultados refletem os desejos dos
eleitores. Sem isto, a democracia está comprometida. No Brasil é possível que
mais de 20% (vinte por cento) dos eleitores desconfiem de nossas urnas
eletrônicas. Dizer que nunca foi visto nada errado nas urnas eletrônicas e eleições,
sem conduzir uma investigação, é um precedente perigoso. Dizer que não conhece,
mas vai ser investigado, parece mais sensato.
Durante as últimas quatro décadas, os
cientistas de computação têm defendido a confiança e segurança dos sistemas eleitorais e mantém a responsabilidade de alertar sobre as vulnerabilidades do
voto eletrônico, propondo soluções. Com o desastre das eleições americanas, no
ano 2000, foram criados padrões de segurança para as tecnologias de voto eletrônico,
os quais foram contrariados ou impedidos pelos vendedores de urnas eletrônicas,
que queriam continuar vendendo suas velhas tecnologias, mantendo códigos secretos
de software, evitando qualquer tipo de auditoria de urnas eletrônicas obsoletas
e repletas de vulnerabilidades, que continuaram sendo vendidas.
Assim sendo, as vulnerabilidades de urnas eletrônicas
nos Estados Unidos vinham sendo apontadas por gurus da computação, desde há muito
tempo. Foi preciso se chegar à Conferência de Hackers em 2019 (DEFCON 2019)
para os vendedores de urnas eletrônicas, depois de severas críticas,
principalmente de congressistas, dizerem que estariam abertos para as novas
regulamentações federais que viessem fortalecer a confiança sobre a segurança
de seus produtos. Na Conferência acima citada, os hackers tiveram acesso a 100
urnas eletrônicas de diferentes partes do país e mostraram que todas elas eram vulneráveis
e comprometidas, por alterar o total de votos, mudar o voto do eleitor de um
candidato para outro, alterando o software que controla a máquina. Estas
vulnerabilidades estavam presentes nos sistemas em uso, sendo que partes das
máquinas eram fabricadas na China e outros países.
Juízes brasileiros contrariam o que tem sido
demonstrado por alguns de nossos cientistas da computação, em termos de
vulnerabilidades de nosso sistema de voto eletrônico. Algumas questões precisam
ser respondidas, como por exemplo: Será que os vendedores de urnas eletrônicas ao
Brasil permitem que uma amostra de 200 ou 300 delas sejam entregues a hackers nacionais
e internacionais para se averiguar a segurança delas? Estamos usando uma tecnologia
nova ou obsoleta e insegura? Quem define os padrões de fabricação de nossas
urnas, sendo elas fabricadas e vendidas por corporações americanas? Existem partes
de nossas urnas fabricadas na China ou outros países, que podem afetar a segurança
nacional?
Com as dúvidas levantadas sobre o nosso sistema
de votação, incluindo as do Presidente da República, o momento é mais do que
oportuno para o Congresso Nacional definir algumas reformas de nosso sistema de votação, não só criando um órgão nacional que venha definir os padrões de nossa
tecnologia de voto eletrônico, em sintonia com outros organismos
internacionais. Antes de aprovar fundos para compra de urnas eletrônicas, o
Congresso deve aprovar fundos para programas pilotos que venham testar e
avaliar novas tecnologias de votação. Uma drástica mudança da administração das
eleições no país é mais do que necessária, incluindo uma maior participação dos
partidos políticos e membros da sociedade, visando reforçar uma maior fiscalização
das eleições e das tecnologias utilizadas.
Infelizmente, algumas entidades que antes não
demonstraram preocupações com nossa democracia estão agora defendendo o voto eletrônico
e a democracia. No fundo, o que elas querem defender mesmo são as corporações fabricantes
e vendedoras de urnas eletrônicas, que sempre venderam suas bugigangas sem
preocupação com a segurança das eleições. Isto só nos leva a aumentar o
descrédito do nosso sistema de voto eletrônico.
Eleições livres e abertas são os marcos de uma
democracia moderna. Se o Brasil quiser ser um líder mundial de eleições
razoáveis, seguras e democráticas, deve estar sempre comprometido com as
melhorias de seu sistema de votação e não continuar usando tecnologias do
século passado. O Congresso Nacional, junto dos Estados, da sociedade,
entidades acadêmicas e os cientistas da computação podem restaurar a confiança
dos eleitores e melhorar a segurança, confiança e credibilidade de nossas
eleições.
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