As urnas eletrônicas e o controle das eleições
Só depois de quase duas décadas de uso no Brasil, os
legisladores brasileiros chegaram à conclusão de que a urna eletrônica é
suscetível a fraudes. A comunidade científica nacional e internacional sempre
foi desafiada, principalmente pela Justiça Eleitoral brasileira, que sempre
afirmou que a urna eletrônica é confiável. Era de se esperar que, aos poucos, a
sociedade brasileira e os eleitores fossem perdendo a confiança nesta
tecnologia, rejeitada nas democracias mais avançadas. Além disso, há muito
tempo que a comunidade científica nacional e internacional atestou, também, que
a nossa urna eletrônica não é um instrumento auditável. O PSDB levou alguns
meses para comprovar o óbvio. Mesmo assim, ainda existem alguns parlamentares
que duvidam disso.
Por conta da descrença dos legisladores brasileiros,
foi aprovado, para ser usado já nas eleições de 2016, o voto impresso, como se
isso viesse a resolver os efeitos maléficos das urnas eletrônicas. É um passo,
mas não é a solução para resolver tamanha fragilidade e interferência das urnas
eletrônicas na nossa democracia. É um passo, no sentido de se poder auditar uma
votação eletrônica, mas a sociedade não pode permitir que as eleições sejam
privatizadas e o ato de votar seja processado por urnas eletrônicas. Foi assim
que a Alemanha considerou o voto eletrônico inconstitucional e outros países
aboliram esse tipo de voto, a exemplo da Holanda. Até o Paraguai rejeitou o uso
das urnas eletrônicas brasileiras. O que sempre foi orgulho dos brasileiros, é
rejeitado no mundo desenvolvido.
O voto do eleitor é o que existe de mais sagrado nas
democracias e por ele deve ser controlado. Não existe certeza se, ao digitar o
seu voto na urna eletrônica, o mesmo foi contabilizado, conforme foi votado, ou
foi perdido por conta de um circuito eletrônico ou desviado para outro
candidato. Ao perder o controle de seu voto, o eleitor torna-se totalmente
alienado pela tecnologia. O controle do voto, essência da democracia, é
repassado para as urnas eletrônicas (grandes corporações) e para os
desconhecidos controladores delas, no dia da eleição. O PSDB parece ter
desconfiado das urnas, mas o perigo maior parece não ter sido percebido e que
diz respeito ao controle delas no dia das eleições. Essa é a grande questão que
deve ser discutida pelos legisladores, ou seja, quem está controlando as urnas
eletrônicas no Brasil. As urnas não fraudam, mas podem ser levada a isso por
seus controladores.
Assim sendo, o voto eletrônico no Brasil é um bullying material,
institucionalizado no país pelos Poderes da República e grandes corporações,
uma vez que o eleitor é retirado do controle do que lhe pertence. O ato de
votar deve ser muito visível e materializado sob os olhos do eleitor, e não
invisível, imaterializado ou desmaterializado pela tecnologia. É esse tipo de
extorsão que as democracias mais avançadas não aceitam. O voto impresso, por
sua vez, não resolve isto. Muitos países utilizam a cédula de papel para
registrar, de forma apropriada, a escolha do eleitor (permitindo qualquer tipo
de auditagem), e realizam a contagem dos votos eletronicamente, ou seja, por
meio de códigos de barras.
Há poucos dias, o Canada realizou eleições para
escolha de seus membros do Parlamento. A cédula de votar foi emitida e os
eleitores votaram na forma tradicional. A contagem de votos foi concluída
poucas horas depois de finalizada a votação. Recontagens aconteceram, também,
rapidamente. Diferentemente do Brasil, o que foi feito eletronicamente foi a
contagem de votos e não o ato de votar.
No Brasil a Justiça Eleitoral tornou-se muito poderosa
com o voto eletrônico que aí está. A contagem rápida de votos deixava os
eleitores orgulhosos dessa tecnologia e a Justiça Eleitoral cada vez mais
poderosa. Porém, para a democracia, qual a qualidade dos eleitos? Depois
de uma eleição tão cara, quais os efeitos positivos para a democracia? Depois
de vinte anos, o país tornou-se mais ou menos democrático? A
sociedade brasileira está mais participativa ou passiva?
Os legisladores brasileiros devem repensar o controle
das eleições no Brasil e, consequentemente, da democracia. O Brasil é um dos
poucos países do mundo em que existe uma Justiça Eleitoral para administrar as
eleições. Isso deve ser repensado, de modo que as eleições sejam controladas
pelos eleitores, partidos políticos e pela sociedade, por meio de comissões
eleitorais, como acontece em outras democracias avançadas.
O que se observou, lamentavelmente, na votação de
derrubada do veto do voto impresso é que o Executivo estabeleceu a forma de
votar, a pedido da Justiça Eleitoral, contrariando as decisões do Parlamento.
Pior do que isso, a Justiça Eleitoral parece ter definido que, nas próximas
eleições, o voto impresso não vai ser implementado, por questões técnicas. A
questão principal é que a Justiça Eleitoral vai ter muitos problemas com o voto
impresso, como já aconteceu em outras partes do mundo, não podendo, talvez,
fornecer o resultado das eleições poucas horas depois de realizadas. Isso pode
significar perda de poder e muita confusão, com os frequentes pedidos de
recontagem de votos. Por fim, a tecnologia de voto eletrônico e administração
das eleições no Brasil precisam ser repensadas pelos legisladores para
torná-las transparentes aos olhos da sociedade, eleitores e partidos políticos,
fato que não acontece com as atuais urnas eletrônicas.
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