Voto Impresso e os Riscos à Democracia – Indo do Ruim ao Pior
Há mais de dez anos atrás publicamos trabalho
com professores da Inglaterra e Canadá, mostrando os riscos do voto eletrônico
para a democracia no Brasil, o qual foi bastante divulgado no exterior
(E-voting in Brazil – The Risks to Democracy), num momento em que se discutia
muito o voto eletrônico, principalmente na Inglaterra e Holanda, que baniram as
iniciativas de uso desta tecnologia. No momento estamos vendo o próprio Presidente
da República apontando os riscos e ameaçando a democracia.
Na época, imaginávamos que as tecnologias de
voto eletrônico podiam se tornar mais seguras e confiáveis num futuro próximo e
poderiam ser adotadas em vários países. Infelizmente, a literatura continua
mostrando que os países de fortes tradições democráticas não estão usando os
sistemas de votação eletrônica, por conta das preocupações com a falta de segurança destas tecnologias. Não existem sistemas computacionais livre de
erros, principalmente um sistema de votação eletrônica e a tecnologia existente
não oferece as condições necessárias para um sistema confiável, adequado e
seguro.
Há poucos meses pesquisadores do MIT
(Massachusetts Institute of Technology) publicaram trabalho no Journal of
Cybersecurity mostrando que o voto de papel ainda é o mais seguro, diante de
inúmeras vulnerabilidades do voto eletrônico. Para eles existe uma inclinação
natural, embora errada, de substituir os métodos do voto de papel pelas últimas
tecnologias digitais. Consideram ainda que quanto mais sofisticada for a
tecnologia, mais inseguro se torna o voto eletrônico, a exemplo do voto pela
internet. Isto contraria as afirmações de juízes brasileiros, que sempre
defendem a segurança do voto eletrônico.
Embora diferente do voto eletrônico na
perspectiva de segurança, as tecnologias de compras online e do sistema
bancário são tolerantes com suas falhas, que sempre acontecem. As fraudes de
cartão de crédito, roubos de identificação e vários outros acontecem. Isto não
é só tolerado, mas absorvidos por empresas de seguros, que tem interesses
econômicos nisto. No caso do voto eletrônico não se tolera erros ou fraudes,
que também podem acontecer. Não se fala em indenizar o eleitor que pode ter
perdido seu voto ou o candidato que deixou de se eleger.
Nunca existiu uma discussão democrática sobre o voto eletrônico no Brasil. O Congresso Nacional parece pouco se interessar pelo
assunto, de modo que muitas das questões sobre a história do voto eletrônico no
Brasil ainda não foram respondidas. De que formas, se existem, podem as
democracias mais frágeis e menos maduras ser apoiadas por sistemas de voto
eletrônico? O que se sabe é que diante da falta de um mercado de tecnologia de
voto eletrônico nos países desenvolvidos, por conta da resistência em usá-las,
as corporações fabricantes de urnas eletrônicas se voltaram para os países em
desenvolvimento. O mesmo acontece com a indústria farmacêutica, quando seus
produtos não são aprovados nos países desenvolvidos.
O momento é oportuno para se discutir o voto
eletrônico no país. É inaceitável que a discussão fique entre juízes do TSE,
dizendo que as urnas são seguras e o Presidente Bolsonaro defendendo o voto
impresso, ameaçando a democracia. Depois de mais de vinte anos de voto
eletrônico, o Brasil deveria ter uma abundante literatura sobre o tema. É quase
inexistente. A questão do voto impresso já deveria estar claramente
explicitada. Insegura ou não, a próxima eleição deve ser realizada com a
tecnologia aprovada pelo Congresso. O que se espera é que se comece a discutir
uma tecnologia segura, confiável e de custos condizentes com as condições
econômica do país.
A questão do voto impresso tem sido amplamente
discutida nos Estados Unidos, embora não exista nenhuma previsão de quando será
aprovado e tornar-se lei, se é que vai. O voto impresso é um dos instrumentos
de se auditar o voto do eleitor, embora esta auditagem possa afetar as
exigências de o voto ser secreto. Infelizmente, auditar o voto não permite que
o eleitor verifique o resultado da eleição.
A urna eletrônica pode oferecer três diferentes
garantias ao eleitor: primeiro, que o voto foi registrado; segundo, que a
máquina registrou corretamente o voto do eleitor; e terceiro, que o voto foi
computado na totalização dos votos. Sem esta última propriedade, as duas
primeiras têm pouco valor. As duas primeiras propriedades desvendam a caixa
preta de votar, mas permanece a caixa preta do resultado das eleições. Neste
caso, o voto impresso pode ser a fraude das fraudes.
É preciso compreender que a segurança da urna
eletrônica depende de muitas organizações. As falhas podem ser introduzidas
pelo vendedor do software, do hardware, fabricante ou dos que oferecem códigos
para estas organizações. Tem-se que levar ainda em consideração as condições
geopolíticas – onde as urnas são fabricadas. Já tivemos fabricantes de urnas
eletrônicas, que foram apoiadores de candidatos a Presidente nos Estados
Unidos.
A urna eletrônica é uma tecnologia complexa,
que contém bugs como as demais, sendo suscetível a fraudes. Não encontrar
fraudes ou falhas nas eleições, não significa que as urnas sejam seguras. Esta
questão nunca foi discutida no Brasil, mas se trata de um processo complexo,
pois exige muitos recursos, uma boa equipe de especialistas, além do
consentimento e cooperação dos vendedores de urnas, fabricantes e outras
organizações, que nem sempre permitem que suas tecnologias sejam testadas. O
ex-candidato Aécio Neves já passou por isto e agora Bolsonaro, a quem é exigido
provar que houve fraudes nas eleições passadas, o que é impossível.
Neste caso, ou avançaremos para convencer a
sociedade sobre as falhas do voto eletrônico ou continuaremos supondo que ele é
seguro com suas falhas e bugs, comprometendo a democracia e confiança do eleitor.
O exemplo está aí.
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