Pandemia, Vida e Morte – Crise Terrível
Fonte: Folha de Londrina
Depois de quase dois anos de se ter muitos dados,
informações e desinformações circulando no mundo e mostrando os efeitos da
Covid-19, que já nos levou a registrar cinco milhões de mortes, é chegado o
momento de se pensar e refletir sobre o significado não só de números, taxas e
estatísticas, mas dos profundos impactos desta Pandemia sobre nossas vidas. Enfim,
o que aconteceu, está acontecendo e continuará acontecendo?
Já foi dito que durante a pandemia estamos
tendo a experiência de uma nova forma de relação com
a morte. Todos os dias estamos vendo milhares de pessoas desaparecerem,
incluindo amigos e familiares. Enfim, estamos percebendo que a morte se
aproxima de nós, mas o morto se distancia, uma vez que não podemos mais atender
as cerimonias de sepultamento, tendo que nos confortar com o luto em
isolamento. Muitos de nós estamos tendo esta terrível experiência.
Para a Revista Lancet, pensar sobre o
significado da Pandemia não é mais trabalho dos cientistas, estatísticos e
epidemiologistas, mas dos que vivem de pensar e contemplar o mundo, ou seja, precisamos
ouvir os nossos
filósofos. Na verdade, alguns deles estão
envolvidos nesta tarefa, a exemplo do filósofo francês, Bruno Latour e do
pensador esloveno, Žižek , que chegou a afirmar que o Coronavírus foi o soco
mais severo dado no capitalismo, sendo a preocupação de quase todos estes
pensadores com as desigualdades que atormentam o mundo.
Com certeza, o Brasil será visto como sendo o
maior laboratório de se estudar os grandes males do vírus, começando com a
politização do Corona, que ainda hoje é marcante nos Estados Unidos, onde os
Estados vermelhos (com maioria de eleitores republicanos e conservadores)
resistem à vacinação, registrando ainda uma média diária de mil mortes, enquanto
nos Estados azuis (com maioria de eleitores democratas), mais de 70% da
população já está vacinada. Assim sendo, a batalha político-ideológica
continua. No Brasil, a extrema direita não conseguiu convencer a população a
seguir este caminho ideológico de vacinação, considerando que cerca de 90% da
população deseja se vacinar.
Infelizmente, a ideologia política enquanto
falsa consciência toma conta da cabeça das pessoas, transformando mentiras em
verdades. Isto sempre aconteceu tanto do lado da direita quanto da esquerda.
Como admitir que o Partido Republicano nos Estados Unidos seja um defensor da
vida, quando combate o uso de vacinas, preferindo a morte? Por conta disto já é
chamado de partido da morte.
No debate sobre a decisão de sacrificar
milhares de vidas para a Covid-19 para manter a economia, o Brasil também deve
ser o maior exemplo do mundo, conforme mostrou a CPI da Covid-19. É lamentável
ver milhares morrendo na África por falta de recursos para compra de vacinas,
mas é criminosa a ação de não adquirir vacinas, levando muitos à morte, para
atender ao mercado, como no caso do Brasil. Pior do que isto, foi estocar o kit Covid nos hospitais, enquanto muitos
morriam por falta de ar diante da carência de equipamentos de intubação.
Estes fatos trazem à discussão o menosprezo
pela vida e sua substituição pela morte. No mundo ocidental, não costumamos
aceitar a morte como parte de nossa vida. Sempre buscamos fazer de tudo para
salvar nossa vida. Não estávamos acostumados a ver a morte substituir a vida.
No momento em que se nega a existência do vírus e a morte se torna real, ainda
se tem a dureza e crueldade de escondê-la, evitando que parentes e amigos
possam dar o último adeus aos seus entes queridos. Por fim, a economia é mais
importante do que a dor que se tem pelos que partiram.
Assim sendo, muitos de nós estamos vivendo
neste mundo apenas para manter o funcionamento do mercado e do capitalismo
mundial, responsáveis por desigualdades degradantes. Soma-se a isto, a
degradação ambiental no mundo e, especialmente, no
Brasil onde se deixa a marca da devastação da Amazonia e o massacre de índios.
Com isto, para o filósofo Latour, o vírus
trouxe uma nova definição de sociedade, que não se limita a nós humanos, mas
inclui outros atores, que não tem formas humanas, a exemplo dos micróbios, a
internet, a lei, o sistema de saúde, a logística do Estado e o clima. Para o
pensador, com o fim da Pandemia temos que exigir de nossos políticos que a
recuperação da economia não traga de volta as políticas que estão aí.
Com a extrema direita no poder no Brasil e a grande
quantidade de candidatos do mesmo perfil nas próximas eleições já mostram as
dificuldades que o país vai ter de se recuperar e criar uma alternativa,
embarcando no trem do progresso. O discurso de moralidade está de volta para
enganar os bobos. Falar de moralidade numa sociedade corrupta é enganação. Os
Estados Unidos e outros países capitalistas estão tentando mudanças, mas é cedo
para se dizer se elas vão ser aprovadas pelos conservadores de direita, uma vez
que no momento para eles o que interessa é o quanto pior melhor.
No Brasil, já temos vários partidos da morte,
ancorando boa parte da classe política e empresários que apoiaram o
negacionismo que levou a mais de 600 mil mortes registradas no país. A única
coisa que se tem certeza no momento é que a fúria da extrema direita avança no
mundo tanto quanto a fúria do vírus. Diante do
menosprezo pela vida temos que temer a morte. Nossos
sentimentos de não poder fazer nada só nos leva a uma fúria impotente do que
está sendo feito, do que não foi feito ou feito precariamente, irresponsavelmente
e desonestamente. Contudo, como já foi dito, precisamos entender que somos
mortais e devemos encarar a morte como a chave de nossa sobrevivência.
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