Transição para a Produção e Consumo Sustentáveis – Covid-19 nos Frigoríficos



“A produção de carne industrial não é só responsável pelas precárias condições de trabalho, mas expulsa as pessoas de suas terras, leva ao desmatamento, perda da biodiversidade e uso de inseticidas – além de ser um dos principais fatores da crise climática”. (Meat Atlas 2021).

A Pandemia de Covid-19 desmascarou o mito das grandes cadeias de suprimento de carne não só no Brasil, mas no mundo inteiro, a exemplo da corporação brasileira JBS, atingida no Brasil, Canadá e Estados Unidos. A política de concentração de frigoríficos no Brasil precisa ser revista, incluindo a quebra de monopólio e uma análise aprofundada dos efeitos da Covid-19 nestas empresas deve chegar ao público, sobretudo em termos de aumento de preços e falta de produtos no mercado. 

Nesta direção, mais de 30 (trinta) grupos e organizações, incluindo o Instituto de Mercados Abertos e alguns senadores dos Estados Unidos estão pedindo ao Presidente Biden o uso da Lei Anti-Trust para banir o monopólio do que é chamado de Big Ag (Grande Agricultura) e Big Meat (Carne Grande). Nisto, a JBS está incluída por ser parte da meia dúzia de frigoríficos que formam o monopólio da indústria de carnes no país. Assim sendo, espera-se que a concentração de frigoríficos e o Grande Agronegócio no Brasil sejam revistos também. 

Para pesquisadores do Instituto de Mercados Abertos, as grandes indústrias de carnes já são os mais perigosos ambientes de trabalho, quando se mostrou o poder da Carne Grande sobre sua força de trabalho em 2020, momento em que a Covid-19 se espalhou nestas indústrias. Ao invés de pausar ou reduzir as linhas de trabalho em seus matadores para evitar o surto, lobistas foram acionados no governo Trump para que estas indústrias se mantivessem funcionando e fazendo negócios como sempre (Business as Usual – BAU). 

Sem padrões de segurança obrigatórios, muitas empresas ainda não reconfiguraram suas instalações. O resultado foi que mais de 57.000 trabalhadores adoeceram e 284 morreram desde o início da Pandemia nos Estados Unidos. No Brasil, diante de ações do Ministério do Trabalho e comentários da imprensa, o resultado não deve ter sido diferente ou pior. 

A pandemia de Covid-19 no mundo levou a sociedade a uma pausa e já faz um bom tempo. Podemos estar na beira de uma transformação sobre como cada um de nós vivemos e como mercadorias são produzidas, consumidas e distribuídas. Não temos poder de prever o futuro, mas transições para a sustentabilidade são vistas como opções prospectivas. Neste sentido, os especialistas em sustentabilidade há mais de 30 anos vêm se preparando para este momento e prontos para os desafios, reconhecendo que o surto de Covid-19 pode ser o marco de início de uma transição para a produção e  consumo sustentáveis. 

Este tema começou sendo tratado na Conferência Rio-92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e enfatizado anos depois pela Sociedade Real de Londres (Royal Society of London), Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, OECD, Comissão Europeia, Conselho Nórdico, PNUD, até chegar ao Acordo de Paris. As complexidades são enormes e as consequências de falhas são sérias e óbvias.

Não se pode permitir que estas cadeias de suprimentos e as relações do comércio internacional, como conhecemos hoje, voltem ao “normal” após a pandemia, embora muitos estejam defendendo isto, usando o Estado para fortalecer o sistema capitalista e manter os negócios como sempre (BAU). Considerando as ineficiências e disrupção da atual cadeia de suprimentos da indústria de carnes tem que se pensar num “novo normal”, com mudanças profundas no setor, talvez privilegiando o mercado local com mais emprego e melhorias de renda em cada localidade. 

Para isto, novos tipos de desenvolvimento econômico e modelos de governança exigem um pensar profundo, mudanças de comportamento e ações bem pensadas. Embora se reconheça a necessidade de transição para uma produção e consumo sustentáveis, a degradação global só faz aumentar, razão pela qual alguns autores oferecem uma orientação que nos leva a distinguir entre os que defendem a persistência da insustentabilidade e os que propõem mudanças estruturais, visando sistemas de produção e consumo sustentáveis. 

Infelizmente alguns continuam enfatizando o lado do consumo dentro de uma visão estreita de consumo sustentável e consciente, mas sem desafiar as contradições sociais, ambientais e as raízes das desigualdades e injustiças na economia global e sem reconhecer a importância de coprodução de conhecimento e ações voltadas para mudar os sistemas de produção e consumo em direção à sustentabilidade. 

Diante destas duas visões, a Covid-19 marcará um ponto de virada e uma oportunidade única para gerar mudanças radicais no sistema de produção e consumo ou, mais uma vez, a assistência do Estado servirá para resgatar o sistema capitalista. Nesta janela de oportunidades, a Covid-19 desmascarou o mito de que as atuais formas de produção e consumo são as únicas opções. Pode-se refletir que aspectos do velho “normal” podem ser aproveitados, mas é chegado o tempo de se criar um “novo normal”.

As destruições da pandemia e as escandalosas fixações de preços expuseram o perigo das grandes corporações da indústria de carnes. Se os governantes não se mobilizarem neste momento e exigir uma indústria de carnes mais democrática e segura, a exploração dos trabalhadores, fazendeiros, animais e o meio ambiente continuará sendo cada vez pior, principalmente no Brasil onde o Estado foi e é o grande responsável por isto. 

O governo e boa parte da classe política desprezaram a Pandemia e o resultado está sendo catastrófico. Depois de um ano de destruição e isolamento humano, desprezar a sociedade e os rumos de uma economia sustentável será outro desastre pior. 

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