Perícia das Urnas Eletrônicas e Forças Armadas
A literatura mostra que durante as últimas
quatro décadas os cientistas da computação estão entre os maiores defensores da
segurança e confiabilidade dos sistemas eleitorais eletrônicos. Neste período, centenas de trabalhos vem sendo
expostos em Fóruns e Conferências sobre erros humanos e computacionais em
eleições, evidentes fraudes e outros problemas.
É lamentável que a participação do Brasil seja
quase inexistente nestas discussões, embora o país seja um dos primeiros a
introduzir a urna eletrônica. Há poucos meses aconteceu a 6ª Conferência Internacional
do Voto Eletrônico, na Europa, organizada por várias universidades, quando os
tópicos sobre segurança e confiança no voto eletrônico foram bastante
discutidos. Vale mencionar que um dos trabalhos que discutiu o desenvolvimento
de um sistema eletrônico, enfatizou a transparência e verificação universal.
Nesta verificação, mais de 3.000 pesquisadores e hackers tentaram invadir o
sistema para oferecer sugestões sobre segurança das urnas.
Diante de possíveis vulnerabilidades da urna
eletrônica, a questão de segurança é um processo contínuo e não estático. O
mesmo acontece com a transparência, confiança e verificação externa. Já foi
dito que é díficil se fazer uma perícia das urnas eletrônicas ou uma investigação pericial
como é feita em outros crimes. Imagine uma cena de assassinato onde ninguém é
permitido examinar o corpo morto, mas o assassino tem acesso a evidência e a
ele é permitido eliminar todos seus traços, antes da chegada do perito. Esta é
a situação que em geral acontece com as investigações de urnas eletrônicas.
Isto deve ser mudado.
Mesmo que seja possível se fazer uma recontagem
de votos, há uma falta completa de procedimentos e protocolos especificados
para se conduzir uma revisao completa ou perícia das urnas eletronicas de qualquer aspecto de uma
eleição. Além disto, existem algumas
proibições e restrições de acordos e segredos comerciais dos vendedores de
tecnologia. Mesmo assim, existe uma suposição generalizada de que os
administradores das eleições são isentos e que o processo de contagem de votos
é honesto. Além disto, eles têm poderes, ao contrário de um júri, de evitar uma
triagem de equipamentos, software, urnas e outras evidências pelo perito para
qualquer ou todos os candidatos numa eleição.
É uma tristeza acompanhar o que está
acontecendo no Brasil, quando as questões de segurança do voto eletrônico fazem
parte de um conflito entre o Presidente da República e a Justiça Eleitoral. De
um lado, as insinuações de que as urnas já foram fraudadas e, do outro, de que
as urnas são seguras, com os cientistas da computação, a comunidade acadêmica e
a sociedade como um todo, totalmente fora do debate.
Seguras ou não, as elites políticas nunca
questionaram a segurança das urnas eletrônicas, usadas há mais de 20 anos. Por
que só agora estão sendo questionadas? Não há dúvidas de que a segurança das
urnas deve ser uma grande preocupação da sociedade, incluindo as Forças
Armadas. Ainda bem que a Justiça Eleitoral deu um passo nesta direção, criando
uma comissão para cuidar da transferência de nosso sistema eletrônico de votação.
Isto deveria ter acontecido desde a introdução do sistema.
Contudo, é inaceitável usar o sistema de
votação eletrônica como prática de um golpe. O Presidente Bolsonaro já insinuou
que se não for reeleito, a culpa é das urnas eletrônicas. Num governo, com ampla
participação de militares na sua administração, não há dúvidas de que muitos
deles seguirão a orientação do chefe maior. Já foi dito que não largarão “a rapadura
facilmente”. Nestes últimos dias, os horrores da tortura do regime militar inundaram
a imprensa, pouco tempo depois do registro de milhares de mortes dos que foram
deixados sem vacinas e oxigênio, na gestão de um general atuando como ministro
da saúde. Isto sem falar o que estão fazendo com as populações indígenas.
Ao que parece, a falta de ênfase por parte da
justiça eleitoral com as questões de segurança e transparência das urnas eletrônicas
puseram nossa democracia em risco. Isto vinha sendo alertado há mais de dez
anos. Não adianta ministros da justiça eleitoral dizerem que o sistema de votação
é seguro, se não têm o aval da comunidade cientifica e da sociedade como um
todo. Um sistema de votação eletrônica não pode ser administrado apenas por uma
justiça eleitoral, mas com uma ampla participação da sociedade.
Neste sentido, o Congresso Nacional deve reformular a administração de nosso sistema de votação com uma ampla participação da sociedade, de modo que se enfatize as questões de segurança e transparência, evitando o que se passa no momento.
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