Cortes de Justiça Desmascaram o Uso de Cloroquina e Ivermectina no Tratamento da Covid-19


Contrariando a ciência, a extrema direita nos Estados Unidos, através de Trump e, no Brasil, através de Bolsonaro, tentaram politizar o uso de medicamentos para o tratamento da Covid-19. É nesta politização que a guerra cultural se intensificou nos dois países, envolvendo o uso de medicamentos sem comprovação científica, a exemplo da cloroquina e ivermectina.

Primeiramente, logo no início da Pandemia, Trump joga com a cloroquina, medicamento usado para o tratamento da malária e elogiada por ele como sendo a cura milagrosa da Covid-19, momento em que a comunidade científica americana mostrou sua ineficácia e seus efeitos adversos, a exemplo de eventos cardíacos, que poderiam levar a morte. Por conta disto e a ênfase dada aos efeitos adversos da cloroquina pelas principais agencias de saúde do país, boa parte da população entrou em pânico, rejeitando o uso do medicamento.  

Além disto, muitos começaram a perceber que Trump estava tendo ganhos financeiros com a cloroquina, aumentando ainda mais o descrédito pelo seu uso e cura milagrosa. Assim sendo, nos últimos meses, os americanos começaram se interessando por outro medicamento, talvez milagroso, para o tratamento da Covid-19: ivermectina, usada para matar lombrigas em cavalos.

Mesmo com o descrédito da cloroquina nos Estados Unidos, Trump junta-se a Bolsonaro para elogiar seu uso e, em maio de 2020, envia dois milhões de doses de cloroquina para o Brasil, momento em que Bolsonaro intensifica sua propaganda.  A partir daí é formado o kit Covid e intensificado o tratamento precoce, incluindo a cloroquina e a ivermectina. Isto se deu logo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) suspendeu testar a cloroquina em pacientes, diante das preocupações de segurança. A CPI da Covid acaba de elaborar um dos documentos mais ricos sobre o uso de medicamentos não comprovados para o tratamento da Covid-19 no Brasil, incluindo a cloroquina e ivermectina.  

O médico tem o poder de prescrever medicamentos, mas vale lembrar que ele jurou prescrever medicamentos que tem sua eficácia comprovada. Não existem até agora comprovações científicas de que cloroquina e ivermectina tem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Tanto é assim que o próprio Laboratório Merck, fabricante da Ivermectina, já informou sobre sua ineficácia para o tratamento do coronavírus e produziu outro medicamento, o chamado Molnupiravir, que já se encontra em análise pelas agências reguladoras.

Há uma diferença em relação ao uso destes medicamentos sem comprovação científica entre Brasil e Estados Unidos. Lá a decisão de usá-los é mais do paciente, enquanto no Brasil o governo usou sua estrutura para distribuir o kit Covid em todo país. Por interesses pessoais Trump defende a cloroquina e ivermectina, mas não usou a estrutura do Estado para sua distribuição. Por outro lado, enquanto Trump incentivava o desenvolvimento de vacinas e seu uso o mais rápido possível, Bolsonaro boicotou a compra de vacinas e demonstrava querer substitui-las pelo kit Covid.

Muitos médicos, principalmente de extrema direita, embarcaram na prescrição do kit Covid, enquanto nos Estados Unidos a ivermectina é vendida em lojas veterinárias, algumas delas com a placa: “Você não é um cavalo. Não é uma vaca. Seriamente pare com isto.”  Nos últimos dias, dezenas de ações judiciais chegaram às cortes de justiça para obrigar os hospitais atenderem os pedidos de seus pacientes, tratando-os com ivermectina. Para o professor de Bioética da Grossman Escola de Medicina, da Universidade de Nova York, quando você vai para um hospital não é a mesma coisa que ir para um restaurante. Você não prescreve seus próprios tratamentos.

Portanto, a politização do uso de medicamentos para o tratamento da Covid pela extrema direita é horrível para a medicina, uma das profissões mais nobre a serviço da humanidade, por salvar vidas e fortalecer o conhecimento científico. Nenhum campo médico deve ter sua prática sujeita às exigências de pacientes ou das Cortes de Justiça. Isto seria uma medicina horrível e destrutiva.

Ainda bem que as Cortes de Justiça nos Estados Unidos estão sendo favoráveis à ciência, desmascarando o uso de medicamentos sem evidências científicas. No mês passado, o juiz Ralph Porzio da Suprema Corte do Estado de Nova York rejeitou o uso da ivermectina numa ação judicial em que o paciente queria o seu uso no hospital. Assim se pronunciou o juiz:

 “Esta Corte não exige que nenhum médico seja colocado numa posição antiética onde se possa cometer a mal prática médica, administrando uma medicação para um propósito não comprovado”.

No Brasil, integrantes do Ministério Público vem seguindo os “protocolos extraoficiais” do Ministério da Saúde em relação ao uso de medicamentos sem comprovação científica, segundo o advogado e médico Daniel Dourado. Para ele, “Esses promotores e procuradores estão agindo contra a legislação sanitária quando querem forçar um prefeito, governador ou secretário de Saúde a adotar uma medida sem comprovação científica.” Diante do descrédito da justiça, espera-se que seus órgãos sigam o exemplo da CPI da Covid e comecem a atuar em todo o país para corrigir erros que contribuíram para o resultado de mais de 600 mil mortes.

Por fim, vale mencionar o que disse o Ministério Público de Contas (MPC) do Estado do Espírito Santo sobre o uso de protocolos para uso de medicamentos sem comprovação científica, quando gestores usam critérios ideológicos ou políticos e não científicos, demonstrando que “tratam o dinheiro público como se fosse coisa de ninguém, ou talvez coisa deles próprios...”. Neste obscurantismo muitos não tomam vacinas por suspeitar delas, mas tomam a medicação de vermifugação de cavalos.

*Jose Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. Recentemente foi professor visitante na McMaster University, Canadá.

https://jrodriguesfilho.blogspot.com/ 

Comentários