Futebol, Política e Ódio Num País Dividido
Fonte: G1-Globo
Nunca na história das Copas do Mundo a política
esteve tão presente como na deste ano, trazendo as fraturas expostas, não dos
jogadores, mas de muitas mazelas que assolam as sociedades dos países participantes,
principalmente dos mais autoritários, a começar pelo Catar, anfitrião do
campeonato, que começa a receber a atenção do mundo por conta das violações de
direitos humanos, especialmente das mulheres, vistas como seres humanos de segunda
categoria, submetidas a uma submissão perversa. Isto sem falar nas denúncias de
corrupção e práticas de trabalho escravo.
Como já foi dito, não dá para se ver a Copa do
Mundo apenas como um entretenimento. Não
dá para separá-la da política. No caso do Brasil, sempre tivemos as Copas
inseridas na política. Em 1970, quando Pelé levou o Brasil à vitória, as elites
e a imprensa burguesa, aliadas ao regime militar, fizeram a grande comemoração,
enquanto muitos temiam pelo fortalecimento de uma ditadura militar brutal. Por
outro lado, em 1982, Sócrates, o famoso meio de campo, tornou-se um fervoroso
oponente à ditadura.
Desde que Neymar, enquanto estrela da seleção brasileira,
prometeu dedicar seu primeiro gol da Copa do Mundo ao presidente Jair Bolsonaro,
a disputa política tornou-se mais acirrada, indo além da disputa por símbolos
nacionais, como as cores de nossa bandeira e o confronto entre Neymar e Richarlison,
como porta-vozes legítimos para atenuar a violência e o ódio dominantes num país
tão carente de uma pacificação. No caso
de Neymar, muito precisa ser ainda esclarecido, quando se comenta que este
apoio ao presidente Bolsonaro é em troca do não pagamento de imposto de renda.
Vale lembrar que Richarlison fez o gol mais
bonito da primeira rodada da Copa, lançando-se em uma bicicleta elétrica, deixando
o goleiro sem defesa e, como foi dito, sem pai e sem mãe. Este gol está sendo comparado
a expressão matemática – a sequência de Fibonacci e virou destaque nas redes
sociais. Além disto, Richarlison tem focado em políticas esquerdistas, como um
defensor das vacinas para a Covid-19, ao contrário de Bolsonaro que além de criticar
as vacinas, nunca disse se as tomou.
Depois de mais de um mês da eleição, Bolsonaro
ainda não aceitou o resultado das urnas, mantendo-se em silencio, permitindo a
desordem por parte de militares com salários polpudos, tentando desestabilizar a
República. “A nostalgia de grupos fascistas pelos tempos da ditadura militar
não é motivo bastante para que a democracia brasileira mude seu funcionamento.
É motivo, sim, para que respondam na Justiça por golpismo, sejam eles civis ou
oriundos da caserna.”
“Esses são apenas alguns exemplos recentes da
bagunça que se instaurou nas Forças Armadas brasileiras. Disciplina e hierarquia
se tornaram uma lenda na instituição, que não pune — ou ao menos não divulga
exemplarmente a punição, como deveria fazer — os fardados que se posicionam
politicamente e insuflam motim na caserna e fora dela.”
Será que Neymar e outros bolsominios da seleção
são favoráveis a esta violência e caos? Ideias de esquerda ou direita da nossa seleção
são aceitáveis, mas ideias golpistas antidemocráticas devem ser repudiadas e
condenadas, da mesma forma que se deve condenar aqueles que não tem sentimentos
pela dor, ferimentos ou fraturas dos jogadores, como aconteceu com o próprio
Neymar. mesmo diante de ações odientas.
Depois de tanto sofrimento da sociedade
brasileira, com a perda de quase 700 mil compatriotas durante a pandemia, disseminação
intensa do ódio nos últimos quatro anos, massacre de índios, destruição da
floresta Amazônica, orçamento secreto e desrespeito às nossas instituições, será
que a nossa seleção vai deixar o Catar sem deixar uma marca, como fizeram
outras seleções, como a da Inglaterra e da Alemanha, em defesa da democracia,
direitos humanos e redução das desigualdades sociais no mundo?
Não vamos desperdiçar nossa inteligência
mantendo a ignorância de assistir aos jogos da Copa de forma passiva, sem
observar as mazelas e hipocrisias do que acontece no mundo e entre nós. Vamos
continuar sendo torcedores, mas nosso olhar crítico tem que se voltar sobre o
que acontece no Catar e no Brasil nos dias de hoje. Infelizmente, os brasileiros
sempre viram o futebol apenas como um entretenimento, sem olhar o lixo debaixo
do tapete.
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