Juízes e Generais nas Eleições de Urnas Eletrônicas – Biometria Neles!

 



O mundo inteiro está acompanhando o embate entre forças armadas e a justiça eleitoral sobre a segurança das urnas eletrônicas, muitos sem saberem o que realmente está acontecendo. Tudo gira em torno da segurança das urnas, a partir das críticas do Presidente Bolsonaro ao acusar, sem provas, fraudes nas urnas eletrônicas. 

Por sua vez, a justiça eleitoral alega que depois de 25 anos de uso das urnas eletrônicas, nunca se teve um registro de fraudes. Isto não significa que nunca houve fraudes e as urnas são totalmente seguras. Quem mais discute sobre a segurança das urnas eletrônicas são os cientistas da computação, que alegam que toda tecnologia, incluindo as urnas eletrônicas, sempre foi, é e será susceptível a fraudes. Isto não quer dizer que o nosso sistema de votação eletrônica está sendo fraudado.

Duas questões surgiram a partir desta disputa – uma positiva e outra extremamente negativa. A positiva se refere à preocupação da justiça eleitoral em tornar as urnas mais transparentes e seguras. Foi criada uma Comissão de Transparência, envolvendo algumas instituições, incluindo as forças armadas. Ademais, algumas urnas estão sendo enviadas para serem testadas.

Espera-se que a partir daí se abra o caminho para a participação e controle social do voto eletrônico no país. O debate precisa ser ampliado, de modo que se chegue a conclusão da melhor tecnologia a ser adotada, longe do determinismo tecnológico adotado e comprovado.

O controle do voto no Brasil pela justiça eleitoral e pelas empresas de tecnologia de informação é uma questão que precisa ser discutida amplamente pela sociedade. O controle do voto deve ser feito única e exclusivamente pelo eleitor. Tornando-se um alienado, parece não haver diferença para o eleitor entre vender o voto ou votar sem seu controle.

Se a participação das forças armadas tiver o propósito de ampliar nossa cidadania e democracia é de fundamental importância a participação delas, que sempre estiveram presentes nas eleições, sobretudo para manter a ordem pública. A desorganização, a existência de fraudes e corrupções durante a realização de eleições são tão antigas quanto a democracia. Se as forças armadas amedrontavam os coronéis durante as eleições com o voto de papel, o mesmo deve acontecer com as urnas eletrônicas.

Infelizmente, a questão negativa é que o uso de fake news e teorias da conspiração por trás das afirmações de fraudes nas urnas eletrônicas. São afirmações nocivas inaceitáveis, contrárias aos que desejam ampliar nossa cidadania e democracia. Já foi advertido há muito tempo, que sem o controle social do voto eletrônico nossa democracia está em risco.

É preciso se fazer uma análise profunda da recente relação das forças armadas com o poder judiciário no país. Primeiramente o Ministro Dias Toffoli convidou o General Fernando Azevedo, como assessor, no Supremo Tribunal Federal. Parece um pouco estranho. Depois, como ex-ministro do governo Bolsonaro, o mesmo General é convidado para um cargo da direção-geral do Tribunal Superior Eleitoral. Pouco tempo depois rejeita o cargo. Estas relações de poderes não estão ainda bem explicitadas.

Pelas propostas enviadas à justiça eleitoral sobre segurança e controle das urnas, o pensamento das forças armadas traz algumas preocupações e parece não se diferenciar do que já vem sendo usado pela justiça eleitoral, ou seja, o uso da biometria nas urnas eletrônicas. Uma das questões éticas que tem evitado o uso do voto eletrônico nas democracias tradicionais diz respeito à invasão de privacidade do eleitor e a biometria é o que existe de pior.

No Brasil, a urna eletrônica e outras bugigangas tecnológicas a ela acopladas devem ser analisadas do ponto de vista de ameaças ao Estado de Direito e não apenas do ponto de vista puramente técnico ou de segurança. Por estas razões, as urnas eletrônicas não são utilizadas no mundo desenvolvido, por ferir princípios democráticos básicos e serem facilmente violadas. A Alemanha recentemente, por exemplo, tornou o voto eletrônico inconstitucional, enquanto países como a Holanda, Inglaterra e Irlanda abandonaram seus projetos de voto eletrônico, já em andamento.

Portanto, a utilização de tecnologias altamente sofisticadas, como urnas biométricas, vem sendo experimentadas nas sociedades em que a exclusão social é marcante, a exemplo do Haiti, países da África e, depois, no Brasil. Se o Brasil é um país que deseja alcançar o desenvolvimento deve adotar as boas práticas dos países desenvolvidos e não de países como o Haiti e outros africanos.

Os governos dos países desenvolvidos têm proibido que seus cidadãos sejam identificados através da tecnologia biométrica, exceto em casos de tiragem de passaportes, por conta da pressão dos Estados Unidos, por considerar que esta tecnologia é associada com a estigmatização ou marginalização social dos indivíduos, resultante de sua longa utilização para identificar criminosos e terroristas em países com bolsões de pobreza como o Brasil, através de impressões digitais.

Juristas e criminalistas europeus já estão observando que a tecnologia biométrica está trazendo à memória a identificação biológica e racista de Lombroso que, no século dezoito, na Itália, utilizou a biometria na sua criminologia racista para identificar criminosos por traços físicos.  Imagine, num futuro breve, os mais pobres, os negros e pessoas dotadas de determinados caracteres biológicos não poderem mais viajar para o mundo desenvolvido por serem identificadas e estigmatizadas como criminosas, terroristas ou com alguma deformação física.

Portanto, a tecnologia biométrica causa severos riscos à segurança e à privacidade das pessoas, além de outras vulnerabilidades, sendo uma forte ameaça aos direitos humanos, já que envolve questões éticas muito sérias. A centralização de um banco de dados biométricos por parte da justiça eleitoral é uma acumulação de poder tamanha que ameaça o Estado de Direito. Por favor, não usem o corpo humano para a identificação de nosso povo, através de urnas eletrônicas. 

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