Ameaças Golpistas, Forças Armadas e Urnas Eletrônicas

 

Fonte: Folha da Região                     

Um governo militarizado e caracterizado por fake news, orçamento secreto, Centrão, uso indevido das forças armadas e outros males, não precisava usar as urnas eletrônicas para práticas golpistas. Aliás, as forças armadas foram usadas também pela Justiça Eleitoral, quando da indicação de um general para a direção das eleições no país. Diante disto, ao invés de serem protagonistas do processo eleitoral, o uso indevido das forças armadas colocou-as numa situação complicada, quando vistas como golpistas.

É lamentável as circunstâncias em que estão se dando as discussões de segurança das urnas eletrônicas no país. A Justiça Eleitoral deu um grande passo ao criar sua comissão de transparência e as forças armadas deram sua contribuição apresentando sete sugestões, as quais foram todas rejeitadas pela Justiça Eleitoral. É compreensível que tais sugestões não possam ser implementadas nas eleições em curso, mas é preciso que a comissão de transparência avalie a possibilidade de implementá-las ou não nas eleições futuras. Realmente, querer modificar os processos eleitorais no momento cheira a golpe.

As questões número 1 sobre amostras e número 4 sobre fiscalização e auditoria, apresentadas pelas forças armadas, parecem pertinentes, conforme discutidas na literatura. A meu ver, nem as forças armadas nem outros membros da comissão tocaram em pontos cruciais, que podem afetar a segurança das urnas eletrônicas, não mencionando quem são seus fabricantes, ano de fabricação, país em que são fabricadas e origens dos diversos componentes das urnas eletrônicas. Saber o ano de fabricação de nossas urnas é fundamental, considerando que os vendedores em geral continuam vendendo velhas tecnologias inseguras.

A literatura mostra que a atualização da tecnologia de votação é algo muito complexo e os vendedores destas tecnologias resistem em atualizá-las, depois de décadas. Atualmente, o comportamento deles é vago e os desincentivos gerados contribuem para se adquirir tecnologias de voto eletrônico que não avançaram do ponto de vista tecnológico. Considerando que sistemas de votação fazem parte da infraestrutura de nossa democracia, sistemas com software ultrapassado devem ser uma preocupação de todos nós. No atual ambiente de ameaças é um risco de segurança inaceitável usar tecnologias ultrapassadas.

Não adianta a Justiça Eleitoral e políticos em geral dizerem que as eleições são confiáveis, quando os cientistas da computação e outras organizações têm alertado sobre as vulnerabilidades dos sistemas de voto eletrônico. Por esta razão tais sistemas devem se tornar cada vez mais transparentes, sendo constantemente auditados e investigados. Já foi dito que os segredos dos vendedores de urnas, mais a apatia do governo é igual a uma eleição insegura, principalmente quando se sabe que tais vendedores tenazmente resistem à transparência. É estranho a apatia de nossos políticos à segurança das urnas eletrônicas, diante da resistência à transparência por parte dos vendedores.

Deve-se criar neste país um órgão de transparência, como existe em outros países, que cuide não só da segurança das urnas eletrônicas, mas da segurança de todas as tecnologias utilizadas no Brasil. Temos um sistema de votação imenso e complexo, que exige um rigoroso acompanhamento, alertando-nos sobre a tentativa fútil de achar que estamos controlando o que é inerentemente incontrolável.

Um sistema mais seguro e transparente requer a participação de todos e não se pode dispensar a participação das forças armadas, que deve ter um papel de protagonista em termos de segurança, considerando se tratar de uma instituição responsável por nossa proteção e segurança. Deve-se repudiar usá-las para práticas golpistas ou para apoiar o discurso de confiabilidade do que pode não ser tão confiável. Vale mencionar ainda que o uso de tecnologias de informação em qualquer país é uma questão de segurança nacional.

Num governo com um explicito orçamento secreto a serviço de políticos sem compromissos com o povo e um Centrão que apoiou todas as ações negativistas do governo que levaram a milhares de mortes durante a Pandemia e, agora, práticas antidemocráticas, vale a pena lembrar o samba do cantor Bezerra da Silva, modificado por um general da cúpula do governo, insinuando que os membros do Centrão são ladrões: “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”. Num ambiente desta natureza, o que a sociedade pode esperar de seus representantes?

Se o cenário de nossa democracia é este, realmente não faz sentido discutir segurança e transparência de nosso sistema eletrônico de votação. Da mesma forma, será que valeu a pena investir alguns bilhões de reais em urnas eletrônicas ao longo dos anos, vendo a deterioração de nossa democracia e a qualidade de nossos representantes, com algumas exceções? 

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