Aborto, Extrema Direita e o Abandono de Crianças

 

Fonte: Washington Post       

O aborto sempre foi uma discussão de teólogos e religiosos, mas nos últimos anos passou a ser discutido por políticos oportunistas da extrema direita e, nos últimos dias, a Suprema Corte americana se envenenou para decidir sobre a anulação do aborto nos Estados Unidos. O surgimento desta informação foi como se uma bomba atômica tivesse caído num país onde, desde 1973, a própria Suprema Corte tinha aprovado o aborto.

Foi em 1973 que a Suprema Corte julgou o recurso de Norma McCorvey, uma mulher separada, residente no Texas, que buscou terminar uma gravidez indesejada, caso denominado de Roe v. Wade. Ela casou-se aos 16 anos, mas separou-se logo após a gravidez. Deu a custódia de criação de sua filha a sua mãe. O segundo filho dela também foi adotado e quando engravidou pela terceira vez, decidiu pelo aborto, que não aconteceu por ser proibido no seu Estado.

Por conta disto, McCorvey processou o promotor Henry Wade, do município de Dallas, e o caso subiu para a Suprema Corte com a denominação de Roe vs Wade para proteger a privacidade de Norma McCorvey. Assim sendo, em 1973, a Suprema Corte americana reconheceu o direito constitucional da mulher ao aborto. Grande conquista dos direitos das mulheres, mas que vem sendo atacada ferozmente nos últimos anos, a partir do governo de Donald Trump.

Nós cristãos, em geral, somos contrários ao aborto, mas não há ainda uma clareza de seus limites e restrições. Não se pode discutir uma lei contra o aborto, sem discutir o acesso ao aborto. Enfim, como mostra a figura acima aborto é cuidado de saúde. As mulheres que estão abortando estão tendo os devidos cuidados de saúde, educação e bem-estar? O aborto está acontecendo após uma decisão da mulher e seu médico? Como pode cinco juízes da Suprema Corte decidir sobre tão complexa matéria, sem uma ampla participação das mulheres? Enfim, o aborto não deve ser decidido por juízes machos e políticos oportunistas, que muitas vezes votam contra os interesses das mulheres em matérias de saúde, educação e o bem-estar delas.

O aborto e a desumanização de uma mulher em não desejar mais a vida de seu filho precisa ser melhor entendida. Vale a pena lembrar a orientação do cardeal Joseph Razinger aos políticos sobre o direito à vida, proteção e promoção da família, a liberdade e a construção da paz. O que estão fazendo os políticos de extrema direita no momento? Tratando do direito à vida, mas menosprezando a proteção e promoção da família, a liberdade, saúde etc. Neste caso, são contrários ao aborto, mas menosprezam as ações sociais básicas em benefício dos mais pobres.

Nestes últimos dois anos os governos de Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro no Brasil trouxeram sofrimentos inesquecíveis para a população mais pobre. Negligência completa com a saúde, a partir da falta de vacinas para idosos e crianças. Leis estão sendo aprovadas em alguns Estados americanos proibindo as mulheres abortar, mesmo que o feto seja resultante de uma relação com um tarado estuprador. Mesmo em casos de incestos, não será mais permitido o aborto. As mulheres não devem ser criminalizadas em circunstâncias horríveis como estas e submetidas a uma gravidez indesejada.  Estes absurdos não devem ser aceitos numa sociedade civilizada.

O discurso dos guerreiros antiaborto e defensores da família é um blefe. Este discurso antiaborto da extrema direita é o de não ter compromissos com os milhões de bebês que nascem num ambiente de muita dureza e continuam perambulando neste mundo sem a devida assistência. Falam em mudar as leis de aborto e valores da família, mas esquecem os bebês que chegam ao mundo sem um programa desenhado para protegê-los, principalmente os mais pobres vivendo em ruínas e violências econômicas. Família para a extrema direita é a presença de um homem forte e “macho”, uma mulher subordinada e crianças que aprendem como se lançar na vida, sem dinheiro, oportunidades educacionais e perspectivas de trabalho no futuro.

Existem estudos mostrando que de cada quatro mulheres, as três que se submetem ao aborto são mulheres de baixa renda, com a maioria vivendo abaixo da linha de pobreza, mães solteiras que vivem sem ajuda dos pais das crianças. Vale lembrar que nos Estados Unidos foi o programa de saúde chamado de Obamacare, destruído pelos conservadores de extrema direita, que mais contribuiu para reduzir o aborto no país.

Portanto, bilionários de extrema direita estão financiando o plano diabólico antiaborto, exigindo que a justiça o aprove. A campanha começou nos Estados Unidos e já está atingindo a Europa. A teoria da conspiração por trás disto é a de que se as mulheres brancas pararem de ter filhos, a supremacia branca começa a perder poder. Estes poderosos descarados querem controlar os corpos e os úteros das mulheres com este projeto racista, sem oferecer nenhuma contrapartida para os cuidados de crianças. São estes os guerreiros da família e contra o aborto. Lembrar que no meio deles existem aqueles que, como divulgado pela imprensa, são acusados de violar o corpo de mulheres, humilhando-as e gabando-se orgulhosamente de ter alisado as partes íntimas de seus corpos.

Neste Dia das Mães, vamos lembrar e refletir sobre o verdadeiro amor de mãe, tão bem expresso por aquela mãe que disse que nos últimos dez anos se dormiu duas noites foi muito, cuidando de um filho doente sem ter as condições e nenhuma ajuda dos poderes públicos. Contudo, para ela, este filho foi uma benção de Deus. Nós, homens, vamos nos unir as mulheres, exigindo que qualquer discussão de aborto só seja feita depois que todas as crianças e mães deste país estejam devidamente protegidas com um programa de saúde e educação adequados, sendo prioritária a participação das mulheres neste debate.  Não vamos embarcar na enganação da extrema direita, de uma campanha antiaborto perversa e enganosa. 

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