Forças Armadas, Justiça Eleitoral e o Controle Social do Voto Eletrônico


As notícias dos últimos dias trazem preocupações seríssimas sobre o controle do voto eletrônico, desde a sua introdução no país. Diante da falta de participação da sociedade e controle social do voto eletrônico, o presidente Bolsonaro tenta jogar as Forças Armadas contra a Justiça Eleitoral para manter este controle. Até o momento a Justiça Eleitoral expressa o poder e prestígio da elite dominante, incluindo a imprensa burguesa, de querer dominar este controle. 

Aí está a prova de que o voto eletrônico não parece ter contribuído para fortalecer nossa democracia e ampliar nossa cidadania, diante de sérias desigualdades sociais. sendo inaceitável ser usado para ampliar poderes desta ou daquela instituição.

A literatura tem demonstrado que em várias partes do mundo a tecnologia vem reforçando as instituições, mas fazendo muito pouco em benefício da democracia e, ao que tudo indica, no Brasil o voto eletrônico vem trazendo benefícios para os políticos e prestígio para a própria Justiça Eleitoral, em detrimento de nossa cidadania.

Assim sendo, o voto eletrônico no Brasil não poderá continuar sendo discutido apenas do ponto de vista de segurança, facilidades do ato de votar e o trabalho de administrar eleições, mas em relação à democracia e à cidadania. Um império de corrupção foi construído no país, onde o dinheiro está sufocando a nossa democracia. O custo de ser eleito explodiu de tal forma que um cidadão comum jamais será eleito, já que a ênfase é dada aos mais ricos, poderosos e até gangsters que sufocam nossa democracia.

Quando o custo médio de se ganhar um assento na Câmara dos Deputados, por exemplo, alcança as cifras de milhões de reais, não podemos mais nos referir ao Congresso Nacional como a “Casa do Povo”, pois tudo pertence aos maiores lances. Com isso, torna-se difícil se ter um governo do povo, para o povo e pelo povo. Mesmo com o voto eletrônico a nossa democracia está enferma. Neste caso, o voto eletrônico está servindo apenas para ofuscar um problema maior – déficit democrático e cidadania reduzida.

Primeiramente é preciso compreender como esta tecnologia foi introduzida no país, orientada tanto pelo determinismo tecnológico, que considera que a tecnologia é a panaceia e solução de nossos problemas, como pelo mercado internacional globalizado dos países ricos, interessados em vender suas bugigangas tecnológicas. Contando com grandes corporações internacionais, intelectuais, parte do mundo acadêmico e uma comunidade de ‘criadores de mitos’ e de ‘idiotas tecnológicos’ achando que a tecnologia de informação é realmente a solução de tudo.

As democracias tradicionais até que tentaram usar o voto eletrônico, a exemplo da Inglaterra e Holanda, mas rejeitaram o determinismo tecnológico em relação a esta tecnologia e encararam as questões, éticas, morais, direitos humanos, cidadania, segurança e outras implicações. O voto eletrônico ainda chegou a ser usado na Holanda, mas logo foi banido por questões de segurança.

A recente declaração do ex-secretário de tecnologia do TSE, chamado o pai da urna eletrônica no Brasil, adota claramente a visão do determinismo tecnológico em relação ao voto eletrônico. Para ele, a “mão do homem” era o grande responsável pela fraude no voto de papel, como se não existisse a “mão do homem” no voto eletrônico. A grande diferença disto é que no voto tradicional de cédulas, a mão do homem é facilmente visível e no voto eletrônico totalmente invisível. Dizer que depois de 25 anos de voto eletrônico nunca se registrou uma fraude, não é prova de segurança de nossas urnas eletrônicas. Toda tecnologia foi, é e será suscetível a fraudes, incluindo a tecnologia de voto eletrônico.

Por serem suscetíveis a fraudes é que a Justiça Eleitoral deu um grande passo em tornar a votação eletrônica mais transparente e segura, criando uma Comissão de Transparência e enviando as urnas para serem testadas na Universidade de São Paulo. Para manter a credibilidade e confiança das urnas eletrônicas iniciativas como estas devem não só serem mantidas como ampliadas, envolvendo os centros acadêmicos de referência do país. Iniciativas como estas podem abrir o caminho para se chegar ao controle social do voto eletrônico, que vai definir qual será a tecnologia de votação no futuro.

A urna eletrônica é uma tecnologia complexa, que contém bugs como as demais. A complexidade delas exige muitos recursos e uma boa equipe de especialistas, além do consentimento e cooperação dos vendedores de urnas, fabricantes e outras organizações, que nem sempre permitem que suas tecnologias sejam testadas. A imprensa tem discutido muito sobre as urnas eletrônicas, mas não se comenta sobre quem são os fabricantes de nossas urnas eletrônicas. Precisamos que isto seja revelado, até para se avaliar o histórico destes fabricantes.

A participação das Forças Armadas é de fundamental importância para a segurança do voto eletrônico, mas não devem embarcar em iniciativas golpistas de contagem paralela de votos, até porque a administração das eleições do país está a cargo da Justiça Eleitoral. Devem se juntar as iniciativas da Comissão de Transparência em busca do controle social do voto eletrônico, com ampla participação da sociedade em busca do fortalecimento de nossa democracia, cidadania e ampla reforma política.

O maior risco de segurança do país no momento através do uso de tecnologias é a divulgação de desinformação, mentiras, teorias da conspiração e Fake News, fortalecidas pelo próprio presidente da República. As Forças Armadas devem se juntar ao Poder Judiciário para enfrentar esta catástrofe no país, repudiando iniciativas golpistas. 



Comentários