Projeto do Mercado de Crédito de Carbono – Distração Perigosa
A semana passada, o Senado aprovou o projeto do
mercado de carbono, que já pode ser visto como uma distração perigosa,
considerando que as compensações de carbono não são soluções viáveis para a
crise climática. A verdade suja e o greenwashing sobre a compensação de carbono
já está sendo narrada.
Quando o Canada regulamentou seu mercado de carbono,
acadêmicos de várias partes do país levantaram críticas severas, sendo visto
por alguns como uma distração perigosa. Mas o projeto do Mercado de Carbono
aprovado pelo Senado vai mais além, podendo ser visto como a manutenção do status
quo do agronegócio no Brasil, setor reconhecido por suas práticas
insustentáveis.
Portanto, nada o que celebrar com este projeto, que
vai enfraquecer a resposta do governo às mudanças climáticas. Isentar um dos
maiores poluidores do país só vai encorajar outros setores a exigir tratamento
similar. O rebanho bovino no país é o grande responsável pela emissão de gases
de efeito estufa, incluindo o metano, óxido nitroso e o dióxido de carbono.
O setor agrícola de vários países é isento do mercado
de crédito de carbono, por estar empenhado com o desenvolvimento limpo,
segurança alimentar e práticas sustentáveis. Não é o caso do agronegócio do
Brasil, que não parece empenhando com a segurança alimentar do país, diante da fome
e as filas de osso, sem mencionar outras práticas insustentáveis e tóxicas.
O setor agrícola e a segurança alimentar são de
fundamentais importância no debate das condições climáticas do Brasil. É demais
jogar tudo nas costas de uma agricultura familiar, negligenciada pelos setores
públicos no processo de alocação de recursos públicos, deixando as grandes
corporações fortalecidas para o mercado externo.
Só faltou ser aprovado o projeto do veneno para
intensificar as toxidades do setor. O que mais impressiona é o quanto o debate
político do Senado está dissociado do debate científico no mundo. A aprovação
deste projeto é a continuação do projeto do Marco Temporal, com os mesmos
propósitos.
Em recente debate organizado pela instituição
CarbonBrief, com acadêmicos de várias instituições, incluindo as universidades
de Oxford e California, foi exposto a importância da participação da população
indígena nas reformas do mercado de crédito de carbono. Como pode se pensar num
mercado de crédito de carbono, excluído a população indígena, num país que
mantém uma das maiores florestas do mundo – Amazônia?
É indiscutível a isenção da agricultura familiar e de
pequenos produtores e até do agronegócio exportador nos debates de crédito de
carbono, desde que atendam aos requisitos de práticas sustentáveis e
compromissos explícitos com a segurança alimentar e redução da fome, como
acontece em outros país.
É preciso compreender que este debate de compensação
de carbono vem de longe. Antes era sobre os danos dos poluidores, que parecia
um debate interessante e apropriado. Hoje é mais em cima de atividades de
negócios, destinadas a alcançar métricas climáticas, que não estão sendo
alcançadas.
O que se observou, também, na semana que passou foi o
imposto de carbono ser visto como um bode expiatório fácil no Canadá para os
elevados preços dos alimentos. Os conservadores, sem propostas para reduzir as
emissões de carbono, condenaram o imposto de carbono, adotado nas políticas
climáticas dos liberais no poder. Os conservadores chegaram até a votar uma
moção condenando tal imposto.
Boa parte da população sabe que os conservadores estão
blefando, uma vez que o impacto do imposto de carbono é inferior a um por cento
sobre os preços dos alimentos. Depois, 90% do imposto de carbono arrecado é
distribuído pela população. O grande aumento do preço de alimentos advém das
mudanças climáticas e da guerra na Ucrania.
Possivelmente por conta disto, quase 40% da população
é contra créditos de carbono e quase 20% pedem a redução deste imposto, mostrando
que o importante é reduzir as emissões de carbono e não discutir o mercado de créditos
de carbono.
O Brasil poderia trazer uma grande contribuição para o
debate de reformulação do mercado de créditos de carbono no mundo. Contudo, as
correlações de forças no Parlamento brasileiro não vão permitir isto. É
lamentável se tudo for mais uma distração, podendo ser perigosa para o Brasil e
para o mundo.
Quando uma política climática é usada até como bode
expiatório sempre que houver aumento de preços de produtos alimentares ou para
proteger este ou aquele setor, torna-se muito difícil para qualquer país dar
uma resposta séria às mudanças climáticas.
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