O 'Novo Normal' para Profissionais de Enfermagem – Melhor Reconhecimento

 

Fonte: TV Globo        

Depois de um longo período de muitas dores e sofrimento, causados pela pandêmica Covid-19, umas das questões mais frequente dos dias de hoje é a seguinte: Quando as coisas voltarão ao normal? Mas o que significa este normal em que vivemos? Para renomados filósofos, o 'normal' significa um modelo de sistema econômico que falhou, responsável por produzir níveis inaceitáveis de desigualdades, que destruíram a fábrica moral e social de nossa sociedade.

No momento surge a discussão do 'novo normal'. Novamente o que é isto? Para o professor Richard Lachmann, de Política e Sociologia, na Universidade Estadual de Nova York, a previsão é que no “novo normal”, “a maioria das pessoas estarão mais pobres e terão trabalhos mais precários. O relativamente privilegiado trabalhará em tempo parcial em casa, reduzindo a interação social, com sérias consequências para a saúde mental. Instituições importantes estarão falidas ao longo da Pandemia. Os Estados Unidos terão menos teatros, restaurantes, casas de café, concertos e universidades”.

A afirmação acima é desanimadora, como o é o que se lê na recente pesquisa do Pew Research Center, quando centenas de especialistas, incluindo o professor Lachmann, opinaram como seria o 'novo normal' em 2025. Para a maioria dos entrevistados, iremos enfrentar mudanças “que tornarão a vida pior para muitas pessoas com maior desigualdade, crescente autoritarismo e uma desinformação desenfreada após a Covid-19”.

Sabemos que os profissionais de saúde foram severamente castigados durante a Pandemia. Por sua vez, os profissionais de enfermagem compõem um dos maiores contingentes do setor saúde na linha de frente de combate à Pandemia. Ao se discutir o 'novo normal' para os profissionais de enfermagem é bom saber um pouco do histórico do normal desta profissão, “que merece mais status e poder, ao invés de ser tratada como enfermeiras donas de casa”, mesmo sendo qualificadas tanto quanto médicos, engenheiros e profissionais de TI (1). 

Observa-se que há uma contradição entre o discurso da mídia e de jornalistas saudando enfermeiros como heróis e a narrativa dos profissionais de enfermagem sobre os riscos de trabalharem em perigosas condições, principalmente durante a Pandemia, quando muitos tiveram que dormir fora de casa e até em veículos para manter a segurança da família.

Os estudos do filósofo francês, Michel Foucault, foram utilizados em pesquisas realizadas no Brasil e Canada neste período da Pandemia, as quais revelam a ênfase dada pela mídia e jornalistas ao discurso de enfermeiros como heróis e anjos. Esta ênfase de enfermeiros como heróis e anjos é prejudicial à profissão e tem se perpetuado ao longo dos anos. Este discurso cria normas, como forma de poder, que beneficia a cúpula de gestão do sistema de saúde, em detrimento dos profissionais de enfermagem.  É um meio de refletir sobre o que a sociedade acredita o que os enfermeiros devem ser (2,3).

 Os cuidados de saúde prestados pelos enfermeiros devem ser vistos como atividades de profissionais qualificados e não como atividades de heróis e anjos, como se eles devessem se comprometer a serem contaminados e mortos, por sacrifício e caridade. Ver o enfermeiro como herói ou anjo só faz reforçar as atitudes da cúpula do sistema em exigir do enfermeiro o comprometimento de uma atividade de caridade e sacrifício. São profissionais que merecem nosso respeito, boas condições de trabalho, remuneração e treinamento adequados. O nosso respeito a eles exige o cumprimento de regras básicas tais como uso de máscaras, distanciamento social e outras exigências sanitárias, que podem reduzir a contaminação e mortes deles e, também, nossa própria proteção.

No auge da Pandemia pelo mundo afora, enfermeiros na linha de frente dos cuidados de saúde foram chamados de heróis e anjos. No Brasil foram organizados panelaços e salva de palmas nas janelas para saudá-los. Vale lembrar, contudo, o que foi relatado sobre este fato na Itália, onde o amor das pessoas pelos enfermeiros está diminuindo. “Quando elas estavam com medo de morrer, de repente todos nós nos tornamos heróis, mas eles já nos esqueceram”.

Estresse, abandono da profissão e carência de enfermeiros no mercado de trabalho no mundo inteiro são tópicos que devem ser estudados em relação ao desrespeito que se tem por esta profissão. Por fim, nestes tempos difíceis quando muitos enfermeiros perderam a vida e foram chamados de heróis e anjos, o que se observa, na prática, é que não são respeitados. O que cada um de nós podemos fazer para que o 'novo normal' dos enfermeiros não seja o normal de hoje?

1.Mishra, Sundeep (2015). Respect for nursing professional: Silence must be heard. Indian Heart Journal. 67: (413-415).

2. Boulton, M.; Garnett, A.; Webster, F. (2021) A Foucauldian discourse analysis of media reporting on the nurse-as-hero during Covid-19. Nursing Inquiry, October.

3. Mendes, M. et al. (2022). Neither angels nor heroes: nurse speeches during the Covid-19 pandemic from a Foucauldian perspective. Revista Brasileira de Enfermagem, 75, Suppl.1.

 

Comentários

Cesar disse…
ParabénsProf. Dr. José Rodrigues Filho
Fiquei emocionado com suas sábias palavras. Muito obrigado por nos representar de forma tão
eloquente e sóbria.
Prof. Dr. Cesar Cartaxo Cavalcanti