De Dorothy Stang à Dom Phillips, Bruno Pereira e Outros na Terra Sem Lei

 

Fonte: OGlobo (Dom Phillips e Bruno Pereira)            

É estarrecedor ver nossas forças armadas seguindo a orientação do presidente Bolsonaro em se intrometer mais com a segurança das urnas eletrônicas do que a soberania e segurança da Amazonia, dominada pelo crime organizado, num momento em que os grandes defensores da região, em pleno século XXI, estão sendo esquartejados e enterrados na mata, a exemplo do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, sem falar no crime brutal da missionária Irmã Dorothy Stang.

Ao sucatear a já existente estrutura de proteção da floresta Amazônica, o governo incentivou a ocupação da região por criminosos, proibindo que equipamentos de garimpeiros e madeireiros ilegais fossem queimados, de modo que fosse possível extrair toras de madeiras suficientes para atender as necessidades de um mercado ilegal.

Sempre houve uma preocupação dos militares brasileiros com a soberania da região Amazônica, mas não se sabia que esta soberania significava o grande desmatamento e queimadas na região, que está afetando as condições climáticas e ambientais no mundo inteiro. Não se sabia também que isto significava ocupar a região pelo crime organizado, tornando-se uma terra sem lei. Não se sabia também que esta ocupação atendia aos interesses do crime organizado e grandes corporações, sem nenhum benefício para a sociedade brasileira.

É inaceitável culpar os que estão morrendo em defesa da região, aceitando o crime organizado. A sociedade brasileira e, principalmente, a classe política tem que mostrar para o mundo o significado do monitoramento da região. É inaceitável o monitoramento da região sob o domínio de gananciosos e criminosos. Aliás, no Brasil, o crime organizado está espalhado por várias cidades do país e o papel das forças armadas precisa ser avaliado nestas iniciativas, a exemplo do que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro recentemente.

Tanto a região Amazônica como várias cidades brasileiras, incluindo o Rio de Janeiro, poderiam ser os maiores centros turísticos do mundo. A sociedade brasileira deve decidir urgentemente sobre isto. Não é papel só das forças armadas, mas de toda a sociedade se preocupar também com a transparência e segurança das urnas eletrônicas e de todo o processo eleitoral do país. É inaceitável o papel delas discutir o assunto, atendendo a outros interesses.

Infelizmente, como bem disse o filósofo Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo - USP, a nossa história nos assombra. Com a ascensão do fascismo no mundo e os resquícios da ditadura militar escondidos “no subterrâneo das estruturas de poder”, estamos sendo ameaçados por um golpe. Como disse ele: “O Brasil é a prova mais cabal de que quando você não acerta suas contas com a história, a história te assombra”. Ao contrário do Chile e Argentina, onde os militares enfrentaram a justiça, a ditadura militar no Brasil foi acobertada por uma anistia.

Por conta disto, os motosserras e fuzis estão substituindo as flechas na região Amazônica, dando espaço ao garimpo, desmatamento, extinção e extermínio de índios e dos que tentarem defender a floresta. Tudo isto começou nos anos de 1970, no governo militar, incentivando os grandes latifundiários passarem suas boiadas para a criação do boi do futuro, “no maior pasto do mundo”, resultando num saldo de degradação tão intensivo, aumentando a fome no país, com os recentes exemplos das filas do osso e preços abusivos.

Por não se ter acertado contas com a ditadura militar sangrenta do passado, o presidente Bolsonaro conseguiu trazer de volta os militares ao poder, embora tendo sido eleito democraticamente e aí estamos vendo a história nos assombrar, mostrando que a ditadura não terminou.

Nossas homenagens pela coragem de Dom Phillips e Bruno Pereira são poucas, assim como nossas orações por eles e nossos pensamentos por seus familiares, sem esquecer as centenas de mortes brutais na região, a exemplo da Irmã Dorothy Stang. Vale lembrar que menos de 10% dos que tombaram na região desta Terra Sem Lei tiveram seus casos julgados pela justiça.

Fica o alerta para a sociedade brasileira de que o atual governo não demarcou um centímetro sequer de terras indígenas, mas parece defender a legalização do garimpo predatório na Amazonia, deixando os povos indígenas sem a mínima proteção através do desaparelhamento dos órgãos públicos, a exemplo da Funai e Ministério do Meio Ambiente. Se o livro de Dom Phillips e Bruno Pereira sobre desenvolvimento sustentável for publicado, será um grande legado para o mundo, mostrando o que significa a violência na Terra Sem Lei onde foram mortos e esquartejados.  

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