Colonização Digital das Big Techs na Educação e Saúde

 

Fonte: UOL                                                                                                  

Jose Rodrigues Filho *

Susanna Gouveia Rodrigues **

A colonização digital pelas Big Techs nos setores de Educação e Saúde está se dando de forma sistemática e efetiva, conforme estudos realizados nos Estados Unidos e Reino Unido, tendo avançado muito seus serviços digitais na vida das pessoas durante o período da Pandemia, enquanto seus lucros cresciam a ritmo de foguete.

Contudo, são várias as preocupações em termos de privacidade, colocando registros médicos e de pacientes nas mãos de Google e outros corporações, que não são responsáveis pela educação e saúde da população. Estas plataformas digitais ou Big Techs hoje dominam a lista das maiores empresas no mercado de capitalização, mas estão sendo avaliadas sobre o quanto estão retornando aos consumidores, à medida que tiram vantagens de dados capturados para fortalecer seus lucros e influência nos mercados.

A entrada da Educação e Saúde na colonização das Big Techs, vistos como setores ou indústrias altamente regulamentas, é bem mais recente quando comparado com outros setores da economia tais como vendas, entretenimento, transportes, jogos, música, energia e finanças. Por conta dos elevados controle regulatórios, as Big Techs sempre encontraram dificuldades de entrarem nos setores de educação e saúde.

Infelizmente, no mundo ocidental, os vendedores de software e alguns consultores é quem definem as necessidades dos usuários no tocante à definição de sistemas de informação. Consequentemente, a tecnologia de informação é orientada pelo mercado e não pelas necessidades do usuário, em benefício do bem-estar e qualidade de vida.

Assim sendo, os sistemas de informação em saúde tradicionais foram desenvolvidos com forte ênfase na engenharia de software, negligenciado a participação de médicos, pacientes e usuários em geral. Em outras palavras, decisões técnicas de engenheiros de software foram mais relevantes no processo de desenho do que a participação de usuários, sempre muito limitada.

Recentemente desenvolvemos trabalho sobre as dificuldades de ser ter uma tecnologia de informação em saúde sustentável e o coronavírus está mostrando que o que se tem aí são tecnologias insustentáveis. Neste caso, a prática era desenvolver sistemas de registros de pacientes que viessem atender aos interesses financeiros dos hospitais, os quais ainda são usados nos dias de hoje.

Usando a filosofia de Michel Foucault, o Professor Colin Koopman e colegas, da Universidade de Oregon, USA, elaboraram um profundo estudo sobre o uso do prontuário eletrônico, publicado há poucos meses, concluindo que o que temos hoje são dados direcionando a saúde e a doença. A dependência do prontuário eletrônico de exigências das empresas de seguros frequentemente transforma os pacientes em unidades de faturas de pagamento.

Por sua vez, o Professor e neurocirurgião Ronald Lucena, da Universidade Federal da Paraíba, tratou da importância da construção social da tecnologia no desenvolvimento de sistemas de informação em saúde, usando a Teoria Fundamentada em Dados. Na área de Human Computer Interation (HCI), em ciências da computação, a ênfase tem sido dada à construção social da tecnologia, principalmente nas aplicações digitas de saúde mental, fugindo dos algoritmos danosos das Big Techs.

Assim sendo, as orientações filosóficas e sociológicas estão oferecendo caminhos na área de computação na busca de se entender como as formas históricas e contemporâneas de colonização, exclusão, marginalização e opressão são propagadas e aprimoradas através do desenho de diferentes algoritmos e tecnologias, principalmente na área de HCI, que vislumbra práticas de descolonização.  

Portanto, a influência dominante do mundo ocidental no desenho de tecnologias nos conduziu a está colonização digital, que não é tão perceptível nos dias de hoje, mas a colonialidade está aí muito presente, definida como sendo a dinâmica de poder continuado como legado do processo histórico de despossessão, escravidão, apropriação e extração no mundo moderno. É esta colonialidade que está influenciando as aplicações, tecnologias e algoritmos.

Educação e Saúde são realmente setores altamente regulamentados, exigindo em muitos casos a participação governamental por conta do envolvimento em questões do bem-estar social e outras ramificações sociais em termos de acesso aos serviços, igualdade, privacidade e a sensibilidade de informações, fatores diretamente ligados aos direitos humanos e constitucionais. Este aparato estatal limita a entrada de empresas privadas no setor, sobretudo quando o propósito é a obtenção de lucros.

Por mais que ofereçam extraordinária capacidade analítica de dados, a lógica de eficiência das plataformas digitais é conflitante com a lógica de serviços públicos e a necessidade de proteger uso de dados e privacidade como um direito fundamental.

Por fim, a colonização digital das Big Techs tem que ser enfrentada considerando o processo de colonialidade, devendo envolver a luta e resistência aos padrões de poder e avareza destas corporações.

*Jose Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi professor nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard.

**Susanna Gouveia Rodrigues é estudante de Ciências Biológicas na Universidade de Guelph, Canadá.

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